Reino
Quando ouvimos falar em “reino”, o que vem à nossa mente? Talvez você se lembre dos contos de fadas, onde príncipes e princesas vivem em castelos encantados, como em filmes infantis; ou até mesmo, recordamo-nos das séries e dos filmes medievais, cheios de batalhas por territórios e tronos. Alguns podem pensar, além disso, na famosa monarquia britânica, com sua pompa e tradição. Outros, nos grandes impérios da história, como o império romano ou o egípcio, que deixaram marcas profundas no mundo.
Mas e se eu disser que há um Reino mais real do que todos esses mencionados? Um Reino que não se baseia em conquistas militares, influência política ou riquezas terrenas, todavia que é eterno e invisível aos olhos humanos? Sim, esse Reino existe e é o Reino de Deus, anunciado por João Batista e inaugurado por Jesus Cristo.
O símbolo “reino de Deus”, expressão encontrada no evangelho segundo o que escreveu Lucas, ou “reino dos céus”, adotada por Mateus em seu evangelho, refere-se a um conceito essencial nos ensinamentos de Jesus. O tema dominante na pregação de Jesus é a vinda do reino de Deus. Esse termo raramente é encontrado nos escritos judaicos modernos e, além disso, é amplamente considerado um dos aspectos mais distintivos da pregação de Jesus. Esse termo, ou até ideias intimamente relacionadas a ele, ocorre cerca de setenta vezes nos evangelhos sinóticos (a saber: Mateus, Marcos e Lucas).
Dito isso, o que seria o “Reino” então? Bem, a palavra do Senhor diz que o Reino de Deus é uma realidade espiritual presente. Em Romanos 14.17, o apóstolo Paulo diz: “Pois o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo”. Retidão, paz e alegria são frutos do Espírito que Deus concede agora àqueles que entregaram sua vida ao governo do Espírito. Eles dizem respeito às mais profundas fontes da vida espiritual, e isso, de acordo com o apóstolo inspirado, é o Reino de Deus.
Todavia, o Reino é, ao mesmo tempo, a herança que Deus concederá a seu povo quando Cristo vier em glória. “Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo’” (Mt 25.34). Como o Reino de Deus pode ser uma realidade espiritual presente e ainda ser uma herança concedida ao povo de Deus na segunda vinda?
Outro fato sobre a verdade é que o Reino é um domínio no qual os seguidores de Jesus Cristo já entraram. Paulo escreve que Deus nos “resgatou do domínio das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado” (Cl 1.13). Esse versículo deixa muito claro que os redimidos já estão no Reino de Cristo. Sem dúvida, pode-se objetar que precisamos distinguir entre o Reino de Deus e o Reino de Cristo; mas isso parece impossível, pois o Reino de Deus é também o Reino de Cristo (Ef 5.5; Ap 11.15). Além disso, nosso Senhor descreve os que receberam sua mensagem e missão como aqueles que entram agora no Reino de Deus (Lc 16.16).
O Reino de Deus é, ao mesmo tempo, um domínio futuro no qual precisamos entrar quando Cristo voltar. Pedro observa um dia futuro em que serão “ricamente providos quando entrarem no Reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2Pe 1.11). Nosso Senhor referiu-se muitas vezes a esse evento futuro. “Muitos virão do oriente e do ocidente, e se sentarão à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no Reino dos céus (Mt 8.11).
Essa vinda futura do Reino acontecerá com grande glória. Jesus contou do dia em que os anjos “tirarão do seu Reino tudo o que faz tropeçar e todos os que praticam o mal. [...] Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai” (Mt 13.41,43). Por sua vez, quando os fariseus perguntaram a Jesus sobre quando o Reino de Deus viria, ele respondeu: “O Reino de Deus não vem de modo visível, nem se dirá: Aqui está ele’, ou ‘Lá está’; porque o Reino de Deus está entre vocês” (Lc 17.20,21). O Reino já está presente em meio aos homens; e Jesus foi categórico ao responder aos fariseus, desanimando-os de procurar por um Reino futuro que viesse com aparato externo de glória.
As parábolas do Reino deixam claro que, em algum sentido, o Reino está presente e em operação no mundo. O Reino de Deus é como uma semente minúscula que se transforma em uma grande árvore; é como o fermento que, um dia, permeará toda a tigela de massa (Lc 13.18-21). No entanto, quando Pilatos questionou Jesus sobre o ensino dele, ele replicou: “O meu reino não é deste mundo” (João 18.36).
A própria complexidade do ensino bíblico sobre o Reino de Deus é um dos motivos pelo qual surgem interpretações tão diversas na história da teologia. Versículos isolados são citados na maioria das interpretações que encontramos em nossa literatura teológica. O Reino é uma realidade atual (Mt 12.28) e, contudo, é uma bênção futura
(ICo 15.50). Ele é uma bênção espiritual redentora (Rm 14.17), experimentada apenas por meio do novo nascimento (Jo 3.3), e, contudo, terá que ver com o governo das nações do mundo (Ap 11.15). O Reino é um domínio no qual os homens entram agora (Mt 21.31), e no qual, todavia, entrarão amanhã (Mt 8.11). Ele é, ao mesmo tempo, um presente de Deus que será conferido, pelo Senhor, no futuro (Lc 12.32) e que, no entanto, precisa ser recebido no presente (Mc 10.15). Com certeza, nenhuma explicação simples faz justiça a uma variedade de ensino tão rica, mas diversa.
Oramos: “Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.” A certeza de que essa oração será respondida quando Deus trouxer a história humana à consumação divinamente ordenada, capacita o cristão a manter seu equilíbrio e sanidade mental neste mundo louco em que vivemos. Nosso coração se abre para aqueles que não têm essa esperança. Graças a Deus, o Reino dele está vindo e encherá toda a terra.
Mas quando oramos: “Venha o teu Reino”, também pedimos que a vontade de Deus seja feita hoje, aqui e agora. Essa é a principal preocupação dessas exposições, que o leitor possa encontrar o Reino de Deus, ou melhor, que o Reino de Deus possa encontrá- lo. Também devemos orar: “Venha o teu Reino, seja feita a tua vontade” assim em minha igreja como no céu. A vida, a comunhão da igreja cristã deve ser a comunhão de pessoas em meio às quais a vontade de Deus é feita — um pedacinho do céu na terra. “Venha o teu Reino, seja feita a tua vontade” na minha vida como é feita no céu. Isso está incluído em nossa oração pela vinda do Reino. Isso faz parte do evangelho do Reino de Deus.
Portanto, pelo que vimos, o novo testamento indica que o reino de Deus é tanto presente como futuro. No tocante ao reino, há um “já”, ou “agora”, e um “ainda não. Ambos os aspectos devem ser entendidos e abraçados pelos cristãos. Visualizar o reino ou como já totalmente realizado ou como totalmente futurista é fazer violência à mensagem do novo testamento. Nós servimos a um Rei que já foi entronizado. Todavia, aguardamos seu retorno triunfal em glória, quando todo joelho se dobrará diante dele.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÍBLIA SAGRADA ALMEIDA REVISTA E ATUALIZADA
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